No país com o setor público mais superlativo da América Latina, cada pessoa precisa trabalhar 151 dias só para pagar impostos. Na avaliação da população, faltam benefícios que compensem tamanho esforço. Reforma do sistema segue distante
Em países que têm alta carga tributária, a população costuma contar, em contrapartida, com serviços públicos de boa qualidade. No Brasil só existe um lado da equação. Somos a nação da América Latina em que mais se cobram impostos das empresas e dos trabalhadores. Mas o atendimento deixa a desejar em hospitais, escolas, creches e delegacias. E a infraestrutura é extremamente precária. Em 2015, a arrecadação de tributos comeu 32,66% do Produto Interno Bruto (PIB).
De acordo com pesquisa do Ibope, encomendada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), nove em cada dez brasileiros estão insatisfeitos com o retorno dos impostos pagos. Na avaliação de 70% dos entrevistados, a responsabilidade por isso é do governo.
O dinheiro arrecadado, um terço da riqueza produzida no ano, foi insuficiente até mesmo para manter as contas públicas no azul. Na tentativa de reequilibrar as finanças no futuro, o governo conseguiu que o Congresso Nacional aprovasse uma emenda constitucional que limita o crescimento das despesas.
O aumento de impostos chegou a ser cogitado, mas acabou sendo deixado de lado diante do desemprego crescente e do número de empresas fechando as portas. Com a elevação da carga, a retomada do crescimento econômico poderia ficar ainda mais distante. E a própria arrecadação do governo acabaria, assim, comprometida. Aliás, já está sofrendo bastante.
Na semana passada, o presidente Michel Temer anunciou um programa de refinanciamento de dívidas para contribuintes, proporcionando maior prazo de pagamento, mas não o perdão das multas. Com esse programa, o Executivo ainda espera arrecadar pelo menos R$ 10 bilhões em 2017.
O professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) Linneu de Albuquerque Mello explica que o problema no Brasil não é só o peso total dos impostos, mas a forma como são cobrados. “A maior parte incide sobre o consumo, o que é regressivo. Quem ganha mais, sente menos o peso do imposto que incide sobre uma geladeira, por exemplo. Isso onera os mais pobres”, aponta. Para ele, a tabela de alíquotas utilizada para tributação de renda também não é adequada: o percentual deveria ser bem superior aos 27,5% que atualmente valem para a parcela mais rica dos contribuintes.
É uma opinião compartilhada por muitos especialistas em tributação. “A carga tributária atual penaliza os mais pobres. Os mais ricos deveriam ter taxação maior”, defende o professor de economia da Universidade de Brasília (UnB) Roberto Ellery.
Cristiano Carvalho, especialista em direito tributário do escritório Carvalho Machado e Timm Advogados, vai na mesma linha. “É necessário ter um sistema de tributação predominantemente progressivo, o que já acontece no caso do Imposto de Renda. Isso tende a ser mais justo, tirando mais renda dos ricos”, comenta.
Unanimidade
A ineficácia na alocação dos recursos é unanimidade. “Os impostos no Brasil são muito mal aplicados”, reclama Carvalho. A maior parte das receitas tributárias estaduais, municipais e da União é consumida pelos salários dos servidores. “Estamos, na verdade, pagando para manter a máquina pública e, em troca, não há garantia de benefícios que satisfaçam a população”, afirma o advogado.
Outro ponto criticado é a complicação do sistema. Assim, as empresas gastam muito não só com os impostos, mas com o próprio sistema de pagamento, extremamente burocrático (leia texto abaixo). Tanto a mudança de incidência dos impostos quanto a simplificação passam por uma reforma tributária.
Para Everardo Maciel, professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e ex-secretário da Receita Federal, as discussões sobre a necessidade de reformulação do sistema de impostos pecam pela falta de objetividade. “Sempre que nós temos clareza dos nossos objetivos, é possível partir para as alterações”, diz.
Everardo afirma que o tamanho da carga brasileira é resultado do tamanho expressivo dos gastos. “Cada sistema é ajustado às circunstâncias de cada país. Os Estados Unidos têm o pior sistema de tributação de renda e de consumo do mundo. Apesar disso, continuam a ser a maior economia do mundo”, destaca. Enquanto a reforma tributária não vem, os brasileiros continuam a trabalhar, em média, os 151 primeiros dias do ano somente para pagar impostos.
* Estagiários sob supervisão de Paulo Silva Pinto
No limite
A criação de impostos, ou aumento dos que já existem, prejudicaria o país, avalia o presidente do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco), Edson Vismona. Para ele, a emenda constitucional aprovada pelo Congresso que limita o crescimento dos gastos públicos, levará à contenção das despesas do governo e possibilitará que os gestores públicos tenham maior disciplina na hora de definir como os recursos serão desembolsados. “É uma medida natural. Toda família faz isso para não quebrar. Temos que ter um Estado mais leve, para que as empresas possam investir mais e a economia, voltar a crescer”, acrescenta.
Obstáculo ao desenvolvimento
Dados da Federação Nacional das Empresas de Serviços Contábeis e das Empresas de Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisas (Fenacon) e da Receita Federal, apontam que são necessárias 600 horas, em média, para uma empresa calcular e pagar impostos no Brasil.
Quanto mais complexo o setor, maior o peso dos impostos. Os gastos com tributos representam 47,4% de tudo o que é produzido pela indústria de transformação no país, o dobro do que incide no setor de serviços, que corresponde a 22,9%.
O presidente do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco), Edson Vismona, comenta que carga tributária é a maior queixa de empresas, que precisam contratar muita gente para a tarefa. “Nenhum país do mundo é obrigado a manter a estrutura que se tem no Brasil. São várias normas específicas e, quando há erro, a penalidade para a empresa é pesadíssima”, diz. “As regras tributárias são alteradas diariamente. Não há empresa que consiga entender a complexidade dos nossos impostos”, acrescenta.
O especialista explica que o debate sobre a reforma tributária será intenso e complexo. Na visão dele, é preciso uma harmonização das regras federais, estaduais e municipais. “Ninguém tem ideia de quantas normas existem, porque cada estado tem as suas. A reforma e a simplificação dos tributos são urgentes”, conta.
Para o professor Roberto Ellery, da Universidade de Brasília (UnB), o sistema tributário impede as empresas de aumentar os investimentos, o que resulta em um obstáculo ao desenvolvimento do país. “Nossos sistema atual pune a produção das empresas”, alerta.
Para o professor Linneu Mello, da Fundação Getulio Vargas (FGV), a quantidade de impostos que as empresas pagam sobre os salários é responsável por grande parte do desemprego, que afeta 12 milhões de brasileiros. “São muitos encargos na folha de pessoal, boa parte para financiar a Previdência Social, que está quebrada. Essas contribuições oneram a produção, o que torna o produto mais caro para o consumidor. Com isso, a venda cai e as empresas demitem ainda mais. É uma bola de neve”, afirma. (MS e HF).
Fonte: Correio Brasiliense