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Consumidores vão à Justiça para excluir taxas do cálculo do tributo, o que reduz valor final em até 20%
por Marina Brandão
RIO – Valor do consumo, tributos, PIS, Cofins, encargos setoriais… São muitos os nomes das cobranças discriminadas nas contas de luz dos brasileiros, e nem sempre é possível entender tudo o que se paga. Duas dessas cobranças, porém, têm levantado polêmicas e tornaram-se motivo de disputas judiciais entre consumidores e concessionárias de energia: a inclusão das taxas de transmissão (Tust) e de distribuição (Tusd) na base de cálculo do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), que incide sobre o total a fatura. A exclusão dessas taxas da base de cálculo do imposto poderia significar uma economia de até 20% do valor da conta. Mas, para isso, é preciso recorrer à Justiça.
As ações na Justiça costumam ter dupla finalidade: pedir uma liminar para que o imposto deixe de ser calculado com essas taxas embutidas e cobrar o valor indevido retroativamente pelos últimos cinco anos (prazo de prescrição do direito).
— A liminar é rápida. Em apenas dois ou três meses é possível ter o desconto na conta. Mas, como o Estado provavelmente vai recorrer, a sentença final pode demorar cerca de um ou dois anos para ser proferida — explica o advogado tributarista Francisco Possas. — Mas é importante lembrar que, caso a sentença seja indeferida, o consumidor terá que reembolsar o Estado por todos os meses em que teve o desconto.
NO RIO, RESSARCIMENTO DE R$ 750
O administrador de empresas Arnaldo Schipper conseguiu um desconto de quase 15% na conta de luz ao recorrer à Justiça.
— Minha conta de junho, que seria de pouco mais de R$ 500, já veio R$ 70 mais barata. É um baita desconto. Em um ano, já são quase duas contas que economizo — ressaltou Schipper.
Apesar de em mais de 95% dos processos no Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ) o contribuinte sair vitorioso, segundo o desembargador César Cury, da 11ª Câmara Cível, atualmente há divergências sobre o direito neste caso.
Desde que houve uma controvérsia entre a primeira e segunda turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no início deste ano, há um debate acerca da validade da inclusão ou não das taxas de transmissão e distribuição no cálculo do imposto nos tribunais inferiores. A maioria dos magistrados, no entanto, segue a súmula 391 do STJ, que prevê que o “ICMS incide sobre o valor da tarifa de energia elétrica correspondente à demanda de potência efetivamente utilizada”.
Flávio Siqueira, advogado do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), explica que as tarifas de transmissão e de distribuição não podem ser consideradas como mercadoria e, portanto, não podem compor a base de cálculo:
— É preciso alertar o consumidor que ele pode reaver esses valores da conta de luz.
CALCULADORA SIMULA GANHO
Foi pensando nisso que a Proteste — Associação Brasileira de Defesa do Consumidor lançou em seu site (www.proteste.org.br) uma calculadora que simula o quanto o consumidor pode receber de volta pelos cinco anos de cobrança indevida, caso ganhe o processo. No Rio, a média do ressarcimento é de R$ 750. Para fazer o cálculo, basta informar o valor médio do gasto mensal, o estado em que mora e a empresa fornecedora.
— A ideia foi criar um mecanismo para que as pessoas pudessem identificar se vale a pena ou não recorrer à Justiça — explicou Carlos Confort, técnico da Proteste responsável pela calculadora.
Qualquer cidadão que pague contas de luz pode recorrer à Justiça. Para isso, basta ter em mãos comprovantes da conta pagos dos últimos cinco anos. Quem não tiver, pode pedir à empresa fornecedora um relatório de gastos. Quem mudou de cidade, dentro do mesmo estado, também pode recorrer. Caso a mudança tenha sido de estado o processo é mais complicado, pois seria preciso recorrer ao tribunal local.
— Se o valor contestado for de até 20 salários mínimos, o mais aconselhável é procurar um juizado especial cível, porque não há custos com advogados — explicou Siqueira, acrescentando que famílias com renda até três salários mínimos podem recorrer ainda à Defensoria Pública.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA É EXTINTA
De acordo com o desembargador Cesar Cury, a explosão de ações no Tribunal de Justiça do Rio começou no fim do ano passado e o crescimento é notório desde então. Atualmente são quase 2,5 mil liminares deferidas pela 11ª Vara de Fazenda Pública.
— Quando se descobre que há possibilidade de suspensão de cobrança e um ganho imediato, as pessoas procuram mais o Judiciário — explica Cury.
O volume de processos na Justiça foi um dos motivos que levaram o promotor Rodrigo Terra, do Ministério Público do Rio, a entrar com uma Ação Civil Pública (ACP) contra a Light, em abril deste ano.
— Mesmo com esse panorama jurisprudencial francamente contrário, as empresas insistem em manter a cobrança — criticou Terra.
A ação, porém, foi extinta na semana passada. Segundo a sentença, de acordo com a Lei 7437/85, não é cabível ação civil pública em casos tributários.
— Existe essa vedação legal em relação ao questionamento de tributos via ação coletiva, porque, segundo a lei, esses direitos seriam individuais. Mas, nessa ação, não estamos questionando o ICMS, e sim a base de cálculo desse imposto. Com certeza, irei recorrer da decisão — antecipou Terra.
A Secretaria de Estado de Fazenda disse estar “atenta” ao tema e ressaltou que estudos iniciais apontam uma possível perda de arrecadação de R$ 2 bilhões por ano, caso as taxas de transmissão e de distribuição saiam da base de cálculo do ICMS sobre a conta de luz. Em nota, a secretaria destacou que se trata de um valor “bastante expressivo diante dos incessantes trabalhos que o Estado vem promovendo para melhorar a arrecadação no atual momento de crise”.
O Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) defende a inclusão das tarifas no cálculo. No entendimento do Confaz, elas compõem o custo da energia e “uma mercadoria é cobrada pelo preço final que é posta à disposição do comprador. Vale para energia, vale para todas as mercadorias”.
Em nota, a Light informou que compete ao Estado do Rio “solucionar dúvidas do contribuinte” sobre o assunto e afirmou atuar como “mera arrecadadora do tributo.” A Enel, antiga Ampla, disse ainda que cumprirá caso haja decisão judicial ou mudança na lei.
Fonte:O Globo