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Para quem milita na Justiça do Trabalho do Brasil, faz parte do cotidiano a entrada de milhares de ações nas cortes trabalhistas todos os dias.
Só em 2016, deram entrada mais de 3 milhões de novas ações que se somaram às remanescentes de anos anteriores, chegando a quase 8 milhões de processos. Com tamanho volume, os magistrados e funcionários da Justiça do Trabalho têm uma tarefa extenuante e o Estado gasta cerca de R$ 18 bilhões na manutenção daquele ramo do Poder Judiciário.
O quadro brasileiro contrasta fortemente com o que ocorre no resto do mundo. Os dados a seguir se referem ao número de ações judiciais trabalhistas individuais ocorridas entre os anos de 2001 a 2016 em países selecionados.
Alemanha teve 593 mil ações em 2007;
Itália, 324 mil (2001);
Polônia, 302 mil (2002);
Espanha, 199 mil (2002);
Holanda, 139 mil (2002);
Estados Unidos, 110 mil (2016);
Reino Unido, cerca de 98 mil (2003);
Portugal, 75 mil (2004);
França, pouco mais de 52 mil (2002);
Romênia e a Hungria, menos de 30 mil (ambas em 2003);
Áustria, cerca de 24 mil (2004);
Bulgária, menos de 14 mil (2003);
Letônia, 8.500 (2003);
Eslovênia, 4.500 (2003);
Japão, 3.500 (2009);
Eslováquia 2.600 (2008);
Dinamarca, 1.500 (2004).
Com exceção do Japão, Dinamarca e Estados Unidos, os dados indicados fazem parte dos fascículos Individual labour/employment disputes and the courts, referentes aos vários países e publicados pela Eurofound, European Foundation for the Improvement of Living and Working Conditions. Os dados do Japão estão em Ronald Brown, Comparative alternative dispute resolution for individual labor disputes in Japan, China and the United States: Lessons from Ásia?, St. John”s Law Review, Vol. 86, 2012. Os dados da Dinamarca podem ser encontrados no Introduction to Danish Labour Court, ww.arbejdsretten.dk/generelt/labour-court.aspx. Para os Estados Unidos, ver www.uscourts.gov e www.eeoc.gov. Os dados do Reino Unido e dos Estados Unidos incluem ações tratadas no âmbito administrativo daqueles países.
Por que tão poucas ações judiciais nesses países? Em primeiro lugar, porque os seus tribunais de justiça se atêm apenas ao exame de disputas de natureza jurídica e se abstêm nos casos de disputa de natureza econômica, o que não ocorre no Brasil, onde a Justiça do Trabalho julga os dois tipos de conflitos. Ademais, nos países resenhados, é comum o uso de métodos extrajudiciais, como autocomposição, conciliação, mediação e arbitragem, o que não ocorre no Brasil.
Em segundo lugar, bem diferente das leis mais simples dos países avançados, a imensidão de detalhes da legislação e da jurisprudência trabalhistas do Brasil constitui, em si, um grande potencial para desentendimentos, o que leva as partes a buscar a solução nos tribunais. A Constituição Federal tem 67 dispositivos no campo trabalhista e um adicional de 14 regras transitórias. A Consolidação das Leis do Trabalho incorpora quase mil artigos. Os Códigos Civil e Penal têm dezenas de dispositivos. O Tribunal Superior do Trabalho possui mais de mil atos jurisprudenciais. O Ministério do Trabalho e Emprego e o Ministério da Previdência Social têm uma imensidão de regras detalhadas. No campo internacional, são 82 as Convenções da OIT ratificadas e em vigência no país.
Em terceiro lugar, o prazo de prescrição do Brasil (2 anos) está entre os mais amplos no mundo. Em Portugal e na Itália, por exemplo, o prazo para entrar com uma reclamação relativa à despedida é de seis meses; na Inglaterra, três meses; na Alemanha e na Áustria, três semanas; na Noruega, 30 dias; na Espanha, 20 dias úteis; na Suécia, duas semanas. Com prazo tão longo, as possibilidades de litigar aumentam bastante.
Em quarto lugar, a maioria das ações trabalhistas no Brasil é promovida pelos empregados para os quais não há sucumbência no caso de sentença desfavorável. Isso se transforma em verdadeiro estímulo, pois as despesas dos honorários dos advogados e outras são pagas apenas pelos empregadores. Além dos fatores indicados, concorrem para o excesso de ações trabalhistas o uso de subjetividade em sentenças judiciais, o anseio dos advogados para promover ações que lhes garantem bons honorários, a cultura de desconfiança que impera entre empregados e empregadores e o volume de infrações decorrentes de violações ou incapacidade de cumprimento por parte dos empregadores.
A reforma trabalhista ora em tramitação no Congresso Nacional busca eliminar inúmeras distorções que hoje estimulam o uso exagerado da Justiça do Trabalho. Entre as principais medidas, têm destaque a criação de uma instância interna nas empresas com mais de 200 empregados para ali resolverem conflitos (comissão de empregados), o estabelecimento de sucumbência para reclamantes e reclamados, a penalização aos que entram com ações temerárias ou buscam argumentos apenas para procrastinar decisões, as multas e outras penalidades para as partes e testemunhas que mentem perante o juiz, o disciplinamento para a criação de súmulas e outros expedientes jurisprudenciais, a adoção da arbitragem trabalhista como método alternativo de resolução de conflitos, e o fortalecimento do negociado sobre o legislado. Tudo isso deverá contribuir para uma sensível redução das ações individuais. O projeto de lei já foi aprovado na Câmara dos Deputados. Faltam a aprovação do Senado Federal e a sanção presidencial.
Fonte: Fonte: Correio Braziliense, por José Pastore, 19.06.2017